1 de set. de 2010

Argumento de autoridade X Web 2.0

Sempre tive muitos pudores pra falar do que eu não sabia. Lembro que, quando criança, um dos meus passatempos prediletos era... Ouvir. Somente isso: ouvir. E me deliciava quando vinham para casa as amigas da minha mãe e ficavam horas tomando café e proseando, contando histórias... Hoje em dia, já não se tem mais tanto esse hábito. O cotidiano corrido das capitais está se esparramando pelo globo e tomando, junto com as proporções de espaço, o tempo e o velho hábito do humano lidar com o humano sem mediações tecnológicas.

Mas a questão aqui não é o “humano” nem os hábitos... Mas falar e ouvir.

No dia 24 de agosto, estive em uma palestra sobre a abertura de um centro cultural do BNB (Banco do Nordeste). Proposta boa essa de consultar a comunidade da região para realizar a instalação do centro. Contextualizar o lugar, ouvir os artistas locais. Eles têm muito a dizer sobre o assunto! E havia muitos deles lá. Músicos, fotógrafos, pintores, cenógrafos.

A maioria presente era de músicos. Representantes da literatura, uma apenas. Curiosamente, alguém que não é da cidade: eu (rssss). Ainda assim (e não curiosamente), todos tinham uma opinião, uma contribuição a fazer de forma geral, dentro de suas áreas de atuação e também a respeito da integração entre segmentos diversos da arte. O interessante foi: ouvir quem tinha algo a dizer. E como se sentiam confortáveis aqueles que estavam falando sobre o que conheciam! Como andar em sua própria casa, em seu bairro... Espaço familiar. Território conhecido.

Movimentos como o desta palestra/ seminário (dentre outras situações em que me ponho a ouvir) me levam a reconfigurar o que eu poderia chamar de "lugar de fala". O que nos leva a legitimar um discurso e a desautorizar um outro. Parece-me que em épocas de web 2.0, uma reformulação seja necessária. Regras de um jogo ainda novo, pouco conhecido da grande maioria que sempre teve pouca voz e vez quando o assunto é novidade, quando atinge instâncias maiores que sua situação econômica permite alcançar.

Ser "piniudo(a)", como se diz no sertão, é feio. Ser "politicamente incorreto" é feio. Não ser "sustentável" está completamente fora de questão. Até que ponto os que debatem na rede abertamente permitem-se "ser" e não representar uma persona virtual? Ainda assim, não considero essa uma das questões mais preocupantes. Mas quais são as autoridades, as falas e saberes que são legitimados pela "vox populi" como respeitável e verdadeiro. Hoje, temos mais de 17 milhões (só no Brasil) que dizem o que pode ser verdadeiro e respeitável. Hoje, uma atriz, sem nenhum pudor, pode dissertar sobre educação. Um bombeiro pode ser a voz dos oprimidos sobre saúde pública. Um palhaço (literalmente) pode se eleger deputado. Todos podemos ser técnicos de futebol, consultores em design, peritos em segurança pública sem nos dar ao trabalho de ler, sequer, o 1º parágrafo do código civil ou frequentar um curso na área. Tudo dentro do padrão "web 2.0", claro.

Obviamente, alguns desses exemplos podem ter sido caricaturados. Mas estes não se distanciam muito da realidade. Nós apenas passamos a considerar "natural" as construções que nos passam por imperceptíveis dada sua legitimação pela comunidade e frequência com que acontecem (nos jornais, programas de auditório, nas redes sociais etc). Do contrário, atire a primeira pedra aquele que nunca meteu o nariz onde não foi chamado.













Obs: Esse é um "cross-post" também publicado no Linfa-zine por ser uma reflexão individual que se baseia em um todo.